1º Ano Ensino Médio - Noturno - Violências, Criminalidade e Políticas Públicas na área de Segurança.
Violência e Criminalidade
Marcos Antônio Silva
Compreender o que de fato significa o termo criminalidade, a forma como opera o sistema de justiça
e como ele busca combater às diversas formas de violência que foram naturalizadas ao longo da história é um importante passo para entender esse fenômeno e pode indicar caminhos que nos leve a superação do quadro epidêmico de violência vivenciado hoje no Brasil. Dizer isso não é um exagero, como
podemos verificar no Infográfico abaixo, a violência em nosso país mata tanto quanto epidemias graves
como a COVID-19 e por isso merece ser vista com maior atenção por toda a sociedade.
Ao consultarmos o dicionário, a diferença entre os termos violência e criminalidade torna-se evidente. Enquanto a violência é definida como constrangimento físico ou moral, a criminalidade é a expressão dada pelo conjunto de infrações de leis que são produzidas em um tempo e lugar determinado.
A criminalidade ainda pode ser definida como ato de cometer crimes, seja de natureza violenta ou não.
Portanto, violência e criminalidade, como às vezes nos fazem parecer, não são sinônimos.
Com essa definição, podemos entender que criminalidade é um fenômeno relacionado à classificação de determinadas condutas como crime e a criação de lei por parte do Estado (Governo) como
medida de repressão a comportamentos tidos como nocivos aos membros da sociedade, tendo como
objetivo impedir condutas não desejáveis dos indivíduos, sob ameaça de restrição de liberdade entre
outras penalidades.
Os estudos sociológicos sobre violência e criminalidade nos faz perceber que a definição de crime pode modificar-se ao longo do tempo e do espaço, reproduzindo valores culturais, costumes e até
mesmo preconceito sociais. Ao investigar os crimes ligados a corrupção, também chamados de “crimes
do colarinho branco” em referência às roupas utilizadas e alto poder econômico das pessoas que os
praticam (políticos, funcionários públicos com cargos importantes no governo e altos executivos de
empresas). O sociólogo Estadunidense Howard Becker analisa como a criminalidade nem sempre está
associada a violência física, mas nem por isso deixa de ter sérias consequência para a sociedade. Essa
modalidade de crime geralmente não se utiliza de violência física e por mais que prejudique a vida de
milhares de pessoas, costuma ser tolerado pela sociedade e suas penas são menores. Por vezes esses
delitos não são considerados crimes, e quando de fato são, os envolvidos pegos na maioria dos casos
pagam fiança — com o próprio dinheiro que roubaram — e assim esses infratores da lei respondem seus
crimes em liberdade. Como raras são as vezes que pessoas da alta classe social vão de fato para a cadeia, mesmo que cometam crimes, além da sensação de impunidade fica a falsa impressão por parte
da sociedade de que apenas a população pobre e vulnerável comete crimes gerando inclusive preconceitos frente essa parcela de indivíduos.
Vários exemplos de como a violência e seu devido combate pelas leis podem se apresentar em descompasso estão presentes em diferentes momentos históricos. Episódios recentes da história da humanidade como a institucionalização das leis de segregação racial pode exemplificar esse fenômeno. A
aplicação destas leis, definidas como um tipo de política de Estado, separa os indivíduos, ou grupos de
indivíduos, de uma mesma sociedade por meio de critérios raciais (ou étnicos), privando-os de direitos.
As leis de segregação racial passaram a ser executadas a partir do fim do século XIX e teve forte vigor
no século XX, em países como a Alemanha nazista, com a perseguição de judeus, na África do Sul, com
o apartheid - separação das cidades sul-africanas em bairros brancos e Negros-, e nos Estados Unidos.
Ao visitar a história dos Estados Unidos, nação que simboliza o modelo de democracia no ocidente,
verificamos que até a década de 1960 esse país convivia com uma legislação que instituía a violência
racial como algo naturalizado, entendendo todos os membros da população negra do país como uma
espécie de ‘cidadão de segunda classe’ como evidenciado no trecho abaixo:
“Leis de segregação racial (Nos estados Unidos) haviam feito breve aparição durante a reconstrução, mas
desapareceram até 1868. Ressurgiram no governo de Grant, a começar pelo Tennesse, em 1870: lá, os
sulistas brancos promulgaram leis contra o casamento inter-racial. Cinco anos mais tarde, o Tennessee
adotou a primeira Lei Jim Crow e o resto do sul o seguiu rapidamente. O termo “Jim Crow”, nascido de uma
música popular, referia-se a toda lei (foram dezenas) que seguisse o princípio “separados, mas iguais”,
estabelecendo afastamento entre negros e brancos nos trens, estações ferroviárias, cais, hotéis, barbearias, restaurantes, teatros, entre outros. Em 1885, a maior parte das escolas sulistas também foram divididas em instituições para brancos e outras para negros. Houve “leis Jim Crow” por todo o sul. Apenas nas
décadas de 1950 e 1960 a suprema Corte derrubaria a ideia de “separados, mas iguais”. (Fonte: Leandro
Karnal. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2007.).
A análise desse fragmento nos permite entender porque mesmo atualmente, após décadas da extinção da legislação racista no país, os Estados Unidos ainda tenha como um dos principais problemas
a ser enfrentado em seu território a violência institucional contra a população negra. Problema este
amplamente evidenciado pelos recentes protestos motivados pela brutal morte do segurança George
Floyd por um policial branco na cidade de Minneapolis.
A naturalização via legislação de formas de violência motivadas pela questão de gênero também
são recorrentes inclusive na atualidade. Casos extremos de como as leis de um país podem naturalizar
as violências infligidas contra mulheres estampa incontáveis páginas de jornais ao redor do mundo. Do
Afeganistão, nos dias atuais, recebemos revoltantes notícias de mulheres que são presas após serem
vítimas de estupro. Na legislação afegã essas mulheres são criminosas por terem desonrado suas famílias ao realizar sexo fora do casamento. Nesse país, a pena alternativa à prisão oferecida a essa mulheres é casar-se com o homem que a violentou e assim restituir a honra de sua família.
No Brasil, um exemplo de como a violência e a injustiça podem ser naturalizadas e até mesmo estimuladas pelas leis é o instituto da Legítima Defesa da Honra presente no código penal Brasileiro de
1940. No passado essa lei serviu como atenuante e até mesmo causa de perdão de crimes passionais
(motivados por fortes impulsos emotivos). Utilizando-se desse artigo do código penal homens que assassinaram suas esposas ou namoradas eram comumente inocentados, sob o pretexto de serem tomados por elevado episódio de ciúmes, e por isso estavam privados da inteligência e dos sentidos.
Nas últimas décadas com o advento da organização de movimentos sociais ligados à luta pelos direitos das mulheres e contra a violência doméstica, esse cenário, apesar de ainda muito grave, vem se
modificando com a criação de leis que buscam fazer frente à tentativa de invisibilização da violência
contra a mulher no, Brasil. Uma das medidas mais significativas na mudança da legislação brasileira na
busca da criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher foi a promulgação da Lei n. 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, que passou a ser chamada Lei Maria da
Penha, em homenagem à mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes, e que desde então se dedica à
causa do combate à violência contra as mulheres.
Mesmo com avanços na formulação de leis que tenham como propósito garantir direitos básicos
a todos e comprometidas com o fim de privilégios e que criminalizam qualquer forma de preconceito,
verificamos que as instituições brasileiras (Escola, Polícia, Hospitais, Governos entre outras ) trazem
ainda muito de nosso passado que remonta tempos coloniais, patriarcal e escravista onde , assim como
nos Estados Unidos antes da luta por direitos civis, temos um quadro de sub-cidadanias, com pessoas
sendo privadas dos seus direitos básicos garantidos por lei, como as populações das periferias, vilas e
favelas, camponeses, os negros e indígenas, a população LGBTQI+ entre outros grupos que configuram
os mais vulneráveis e vítimas preferenciais da violência em nossa sociedade.
Nossa identificação com os recentes episódios ocorridos nos Estados Unidos de violência institucional
cometida pela Polícia Norte-Americana que resultou na morte de George Floyd, não é por acaso. O lema
“vidas negras importam” ecoa aqui no Brasil e nos faz lembrar de episódios como as mortes do adolescente João Pedro Mattos Pinto, da Menina Agatha Felix, do Músico Evaldo dos Santos, do Pedreiro
Amarildo de Souza e tantos outros cidadãos brasileiros, não por acaso negros e moradores de periferia,
mortos por ações criminosas de agentes do Estado e que ainda esperam por justiça.
Segundo o Sociólogo Sérgio Adorno em sociedades como a Brasileira onde convivemos com altos índice de exclusão e de desigualdade social a violência passa a ser algo que nos divide. O especialista em
estudos sobre criminalidade e violência argumenta que o caminho mais seguro para superação das
diversas formas de violência em que nos acostumamos a presenciar cotidianamente seria a inclusão
social dos indivíduos que foram historicamente excluídos. Portanto, a implementação de políticas públicas que garanta a todos direitos básicos como serviços dignos de Saúde, Educação, Lazer, garantia
de emprego, moradia entre outros direitos e o combate de privilégios, se configuram como medidas, ao
médio e longo prazo, muito mais eficazes do que a defesa de “soluções mágicas” como a formulação de
leis mais rígidas, como: a redução da maioridade penal, pena de morte, prisão perpétua entre outras.
Percebemos a relevância dessa argumentação ao analisarmos que países que garantem esses direitos
a sua população e apresentam menores índices de desigualdades são os locais onde presenciamos os
menores índices de crimes violentos.
A busca por uma sociedade de fato justa vai bem além da formulação de leis que garantam direitos
básicos a toda a população, criminalize e corrija as violências que historicamente são invisibilizadas e
que naturalizam privilégios no Brasil. Passa também, e necessariamente, pela inscrição desses direitos
em nossas leis, como por exemplo na Constituição Federal. Com a garantia desses direitos em nossas
leis podemos, não pedir, mas, sim, exigir de nossos governantes educação de qualidade, um sistema de
saúde pública eficiente, proteção para o trabalho, combate a privilégios e discriminações entre outras
medidas que nos aproxime cada vez mais do ideal descrito nas leis.
Saiba Mais:
O tema em vídeos: Indicamos agora alguns vídeos que podem ajudar você a compreender todas as
informações contidas no texto, não deixe de assisti-los. Caso você não possa acessá-los agora, faça
quando tiver a oportunidade.
Violência que rola. (Direitos Humanos)
Por que o Merthiolate não arde mais?
Documentário Falcão — Meninos do Tráfico
ATIVIDADES
1 — (UEL-VESTIBULAR 2015) Sobre violência e criminalidade no Brasil, assinale a alternativa CORRETA. (adaptada)
a) As políticas repressivas contra o crime organizado são suficientes para erradicar a violência e
a insegurança nas cidades.
b) As altas taxas de violência e de homicídios contra jovens em situação de pobreza têm sido
revertidas com a eficácia do sistema prisional.
c) As desigualdades e assimetrias nas relações sociais, a discriminação e o racismo são fatores
que acentuam a violência no Brasil.
d) O rigor punitivo das agências oficiais no combate à criminalidade impede o surgimento de
justiceiros e milícias.
2 — O desrespeito aos direitos do homem, seja em nosso país ou em outros lugares do mundo, é
noticiado pelos meios de comunicação com certa frequência. O texto abaixo foi extraído da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU)
em 1948: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados
de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade (…)”
(Artigo 1). Entende-se que o documento da ONU recomenda a todos os países a:
a) Manutenção da liberdade de comunicação e informação.
b) Garantia de direitos, independente da cor, sexo ou crença.
c) Prisão arbitrária daqueles que fazem oposição aos governos.
d) Restrição à liberdade de pensamento e de ir e vir.
e) Nenhuma das alternativas.
3 — (FUMARC-2014 — CBM-MG) De acordo com os estudiosos da temática Direitos Humanos, o problema da criminalidade praticada por adolescentes e que impacta a segurança pública da sociedade
brasileira pode ser solucionado com a adoção da seguinte medida:
a) Aumento do policiamento nas vilas e nos aglomerados.
b) Construção de presídios de segurança máxima.
c) Implementação de políticas públicas voltadas para a efetivação dos direitos individuais, políticos, econômicos, sociais e culturais que sejam capazes de intervir nas diversas situações de
vulnerabilidade que acometem grande parte dos adolescentes brasileiros.
d) Redução da maioridade penal.
4 — (Enem-2012)
TEXTO I: O que vemos no país é uma espécie de espraiamento e a manifestação
da agressividade através da violência. Isso se desdobra de maneira evidente na criminalidade, que está presente em todos os redutos — seja nas áreas abandonadas pelo poder público,
seja na política ou no futebol. O brasileiro não é mais violento do que outros povos, mas a
fragilidade do exercício e do reconhecimento da cidadania e a ausência do Estado em vários
territórios do país se impõem como um caldo de cultura no qual a agressividade e a violência
fincam suas raízes.
Entrevista com Joel Birman. A Corrupção é um crime sem rosto. IstoÉ.
Edição 2099; 3 fev. 2010.
TEXTO II: Nenhuma sociedade pode sobreviver sem canalizar as pulsações e emoções do indivíduo, sem um controle muito específico de seu comportamento. Nenhum controle desse tipo
é possível sem que as pessoas anteponham limitações umas às outras, e todas as limitações são
convertidas, na pessoa a quem são impostas, em medo de um ou outro tipo.
ELIAS, N. O Processo Civilizador.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
Considerando-se a dinâmica do processo civilizador, tal como descrito no Texto II, o argumento do
Texto I acerca da violência e agressividade na sociedade brasileira expressa a
a) incompatibilidade entre os modos democráticos de convívio social e a presença de aparatos
de controle policial.
b) manutenção de práticas repressivas herdadas dos períodos ditatoriais sob a forma de leis e
atos administrativos.
c) inabilidade das forças militares em conter a violência decorrente das ondas migratórias nas
grandes cidades brasileiras.
d) dificuldade histórica da sociedade brasileira em institucionalizar formas de controle social
compatíveis com valores democráticos.
e) incapacidade das instituições político-legislativas em formular mecanismos de controle
social específicos à realidade social brasileira.
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