3º Ano Ensino Médio - Noturno - Sociologia - Atualidades — Pandemia.
Esta semana vamos discutir um termo relativamente novo nos debates da sociologia, mas que explica práticas muito antigas, a Necropolítica. Faremos um trabalho de trazer este debate especificamente para dentro do nosso país, mas utilizaremos também exemplos de outros lugares.
Para iniciarmos esta conversa, precisamos nos questionar: o vírus COVID-19 afetou toda a população brasileira da mesma forma? Se perguntarmos a todas as pessoas que vivem no Brasil de que forma
o vírus alterou a sua forma de viver, será que teremos a mesma resposta?
As primeiras instruções para se evitar o contágio com o vírus vieram da Organização Mundial de Saúde (OMS), sem ainda conhecermos bem sobre a existência do COVID-19 no Brasil. Indicava-se três coisas importantes: utilizar álcool em gel, lavar bem as mãos e sair de casa apenas quando extremamente
necessário. Para quem a OMS falava? Para todas as pessoas?
De acordo com o Portal do Saneamento Básico, no Brasil, em algumas regiões, menos da metade
da população tem acesso a água encanada e em todo o país, apenas 66% das casas têm acesso a rede
de esgoto, ou seja, estamos falando de muitas cidadãs e cidadãos que não tem acesso à água limpa
para lavar as mãos, lavar a casa e os utensílios utilizados no dia a dia. Ainda que tenham acesso à água
encanada, muitas casas enfrentam o problema do não abastecimento, ou seja, a falta de água, principalmente em bairros das periferias. A OMS indica lavar as mãos sendo que grande parte da população
não tem os recursos necessários. O mesmo acontece com o álcool em gel, que teve seu preço elevado
às alturas logo no início da Pandemia.
Para muitas pessoas, ficar em casa não é uma opção, já que moram nas ruas, outras, precisam sair
de casa para ir atrás de seu sustento. Mais uma vez, a OMS não fala para essas pessoas. O antropólogo
Lelê Teles chama a atenção de que, na nossa sociedade, temos alguns indivíduos que não são pessoas,
elas são invisibilizadas pela sociedade e principalmente pelos governos. Em um primeiro momento, no
contexto da Pandemia, eram pessoas aquelas que tinham acesso à água para lavar as mãos, poderiam
comprar o álcool em gel e se isolar dentro de suas casas. Uma vez que não se pensou em ações para
quem não tinha acesso, podemos entender que para os governos elas não eram pessoas que mereciam
atenção. Essa perspectiva de valorizar determinada parcela da população e ignorar outras teve consequências severas para a parte invisibilizada.
De acordo com o Boletim Epidemiológico divulgado pela Prefeitura de Belo Horizonte, até o dia
10/06/2020, foram registrados na cidade 716 pessoas infectadas com COVID-19, sendo que os bairros
com o maior número de casos se localizam em áreas nobres da cidade, como o bairro de Lourdes, Buritis,
Belvedere, Funcionários, Gutierrez e Serra. Entretanto, os bairros onde foi registrado o maior número de
mortes eram bairros mais pobres, como o Alto Vera Cruz e o Pompéia, localizados na zona leste da cidade.
Em São Paulo, a situação não foi diferente. A maior parte das vítimas de COVID-19 viviam em bairros com
salários médios abaixo de R$ 3 mil/mensais. Nas regiões com renda superior a R$ 19 mil/mensais foram
registradas pouco mais de 1% das mortes. Mais uma vez, os bairros mais pobres concentraram o maior
número de mortes.
E por que a maior parte das pessoas que morreram no período registrado eram pessoas de
classes sociais de menor renda? O vírus não escolhe suas vítimas pelo salário, mas infelizmente
a sobrecarga dos serviços de saúde pública, o
acesso a serviços de baixa qualidade, moradias
com pouca ou nenhuma ventilação que acarretam em doenças respiratórias, caracterizando
as pessoas como grupos de risco, são características mais presentes entre as populações de
menor renda, o que as coloca em maior risco de
morrerem por conta do COVID-19.
A primeira morte confirmada por causa do
Coronavírus ocorreu em 19/03/2020, na cidadede Miguel Pereira, a 125 km da cidade do Rio de Janeiro. Uma senhora de 63 anos de idade, Dona Cleonice,
hipertensa e diabética, ou seja, do grupo de risco. Como ela pegou o vírus? Possivelmente na casa onde
trabalhava como empregada doméstica, em um dos bairros mais nobres da cidade, o Leblon. Ela trabalhava para uma mulher que viajou para a Itália, país foco da doença em março, e em seu retorno, sem os
devidos cuidados, acabou contaminando a primeira vítima. A carioca que retornou da Itália passa bem.
A forma dos governos valorizarem determinados grupos sociais, favorecendo a eles serviços essenciais, mas ao mesmo tempo possibilitando que outros estejam em ameaça de morte é uma política conhecida como Necropolítica. O termo foi apresentado pelo filósofo camaronês Achille Mbembe e em sua
etimologia temos a união de dois termos: necro (morte) + política, ou seja, é a política da morte. Em outras
palavras, é o poder e a capacidade do Estado e dos governos de ditar quem pode viver e quem pode morrer, basicamente ter o poder de decidir sobre a vida das pessoas. E isso acontece não só durante a Pandemia, mas também quando a polícia desenvolve ações dentro de favelas com o argumento de combater
o tráfico porém matando um grande número de pessoas inocentes, mas ao mesmo tempo, em bairros
nobres, a polícia dificilmente invade os domicílios. Mais uma vez é o Estado representado pela polícia que
possui o poder de definir quais grupos sociais podem morrer em prol de uma “maior segurança”.
PARA SABER MAIS
ATIVIDADE|S
Questão 01. A pesquisadora Rosane Borges explica como o conceito de necropolítica se relaciona
com racismo:
“A gente vê hoje um Estado que adota a política da morte, o uso ilegítimo da força, o extermínio, a política de inimizade. Que faz a divisão entre amigo e inimigo. É o que a gente vê, por exemplo, nas favelas, nas periferias das grandes cidades brasileiras, nos rincões do país. Nossa polícia
substitui o capitão do mato”.
Você concorda com a pesquisadora que a Necropolítica está relacionada com o racismo?
Explique com as suas próprias palavras.
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