3º Ano - Ensino Médio - Noturno - Filosofia - A Diversidade dos saberes.
O século XXI e o espetáculo da razão.
Desde a chegada da Idade Moderna que os intelectuais se esforçam por desmerecer o homem de seu
tempo. Têm, eles, uma constante busca de pontos de apoio para provarem que o antes foi melhor, que o
agora é uma espécie de alienação e que o amanhã, se seguirem o que determinam, será o ideal.
Tal atitude pode ser comprovada no texto logo acima, com destaque especial para o parágrafo: “Os
frankfurtianos, tendo lido Nietzsche, Freud, Heidegger, sabem que não podem aderir à razão inocentemente. Sabem que a razão não ilumina, não revela a natureza que se emancipa do mito através da
ciência. Afastam-se do cientificismo materialista, da crença na ciência e na técnica como condições
da emancipação social, pois sabem que o progresso se paga com o desaparecimento do sujeito autônomo, engolido pelo totalitarismo uniformizante da indústria cultural ou da sociedade unidimensional”.
Para contextualizar, os frankfurtianos são pensadores que se encontram dentro da chamada Escola
de Frankfurt, movimento intelectual surgido na Alemanha no início do século XX. É da essência desses
intelectuais uma total descrença na sociedade de sua época, entendida como opressora e guiada pelos
interesses maldosos dos “donos do capital”.
A fim de debater com os pensamentos frankfurtianos, trazemos como contraponto às ideias de Ayn
Rand contidas na obra “O Retorno do Primitivo - A revolução anti industrial”. O livro contesta aqueles
que se colocam como detratores da ciência, da indústria, do indivíduo e que se opõem fortemente ao
capitalismo, pois veem nele um sistema gerador de desgraças nas vidas humanas. Para facilitar a compreensão dessas visões opostas, as ideias frankfurtianas contidas no parágrafo acima serão apresentadas por partes.
“Sabem que a razão não ilumina”. Tal afirmação encontra incoerência na sua própria existência, uma
vez que é preciso se apoiar em pensamentos racionais para se chegar à essa conclusão. Ao afirmar que
“a razão não ilumina”, o homem chega a um absurdo: a ideia iluminada de que a razão não ilumina. A frase é confusa porque se trata da explicação de um paradoxo: ou defendemos que a razão não ilumina, ou
assumimos que fomos iluminados ao chegarmos a uma conclusão – que é produto da razão.
“Afastam-se do cientificismo materialista, da crença na ciência e na técnica como condições da emancipação social...”. Em seu livro, Rand cita duas personagens mitológicas para ilustrar uma realidade
humana: Apolo e Dionísio. Apolo representa o indivíduo, a técnica, a ciência; enquanto Dionísio representa os sentimentos e as paixões. Analisando o trecho destacado à luz de Apolo (ciência) e de Dionísio
(sentimentos), temos que os intelectuais colocam suas paixões acima da realidade pragmática do mundo. Ao afirmarem que a ciência não cria condições de emancipação social, eles abandonam toda uma
realidade concreta e se refugiam no que suas mentes produzem.
De acordo com a lógica, antes de se emancipar socialmente, primeiro é preciso que o indivíduo exista
socialmente. Com base nessa premissa, tomemos como exemplo um casal em que a mulher tenha problemas de fertilidade. Graças ao avanço científico, essa mulher pode optar por receber óvulos de uma
doadora. Tais óvulos serão fertilizados com o sêmen do seu parceiro e, em seguida, implantados no
seu útero, seguindo da gestação e do parto do bebê. Parafraseando Sartre, no caso dessa criança em
questão, a ciência precede sua existência.
O exemplo desse casal coloca em cheque que a ciência seja opositora - ou até mesmo promotora - de
subjetivismos, como colocam os frankfurtianos. Antes, a ciência é o que é: condição sine qua non (essencial) à vida humana. Atacar a ciência através da expressão pejorativa “cientificismo materialista”
é dar a ela uma mentalidade humana, como se a ciência fosse uma entidade perversa dotada de uma
vontade de querer o mal da humanidade. Um cientista pode ser mau-caráter, a ciência não. Portanto, a
crítica dos frankfurtianos seria muito mais honesta se fosse direcionada à falta de moral das pessoas,
e não ao avanço intelectual da humanidade.
A realidade que o mundo nos mostra é que as descobertas científicas se colocam como positivas e
democráticas, uma vez que seus benefícios têm potencial de alcance global. No momento em que você
lê esse texto tem muita ciência à sua volta. A cadeira em que você está sentado(a) foi construída através de máquinas que trabalham o aço ou a madeira. As máquinas são fruto da ciência. Está lendo pelo
celular? Pois saiba que o seu smartphone tem muito mais tecnologia do que possuía a nave Apollo, que
levou o homem à Lua. E é bom lembrar: foi preciso o dinheiro do país mais rico do mundo para conseguir
pagar por essa nave, enquanto um celular pode ser comprado em parcelas mensais. Inclusive, adquirir
um produto no crediário é fruto de pura Tecnologia da Informação (TI), ou seja, de ciência.
O simples ato de adquirir bens em parcelas prova que os intelectuais do século passado erraram suas
projeções sobre a emancipação social, uma vez que as ferramentas de mercado (crediário, cartão de
crédito, etc.) geram grande inclusão das pessoas ao proporcionarem acesso a bens e serviços que colaboram com a dignidade humana. Hoje, a compra de remédios pode ser parcelada diretamente na farmácia, enquanto uma casa própria pode ser adquirida com prazo de pagamento de até vinte anos.
Por último, o trecho “O progresso se paga com o desaparecimento do sujeito autônomo” não encontra
sustento o mundo real. Considerando que o sujeito autônomo é aquele que usa da sua racionalidade,
vontade e meios para gerir sua própria vida, tem-se, portanto, que o progresso deu grande colaboração
à autonomia do indivíduo - ao contrário do que os frankfurtianos afirmavam. Segundo pesquisa do Datafolha de janeiro deste ano, 31% dos brasileiros são evangélicos. E o que tem a ciência com isso? Quando Martinho Lutero contestou os dogmas da Igreja Católica, em 1517, ele usou da prensa de Gutenberg
para espalhar pela Alemanha e por boa parte da Europa cópias das suas 95 Teses. Essa invenção científica colaborou, e muito, para a existência das religiões protestantes no Brasil e no mundo. Foi através
da prensa - um progresso científico - que a versão traduzida da Bíblia chegou às mãos das pessoas e
elas puderam desfrutar da autonomia religiosa em suas vidas.
Se a ciência é usada para o malefício, certamente o problema está todo na pessoa que a usa para esse
fim, e não na ciência em si. Transformar a razão e o avanço das descobertas científicas em justificativa
dos males sociais é tapar os olhos à concretude e viver engaiolado em suas próprias ideias.
É inegável que os problemas sociais devem ser colocados em debate constantemente e, para isso, a
racionalidade e a ciência se colocam muito mais como ferramentas úteis do que perniciosas. A razão
nos aponta se estamos agindo moralmente ou não, enquanto a ciência e os cientistas têm toda a
capacidade de construírem pontes entre as pessoas e uma vida melhor. De um simples comprimido até grandes cirurgias, as Ciências Médicas nos dão a esperança de uma vida saudável. Os estudos
das Ciências Sociais auxiliam os líderes a organizar a sociedade em modelos mais eficientes e mais
democráticos - se não o fazem, a culpa é do homem e não da ciência. As Engenharias, a Economia e
a Administração nos dão uma vida muito mais luxuosa do que tinham os magnatas ingleses do século
passado (a popularização do chuveiro elétrico, do fogão a gás e da geladeira já provam essa afirmação).
Com o progresso das ciências, hoje, desfrutamos de uma vida que nossos avós sequer conseguiam
sonhar. É verdade, pergunte a eles.
Autor: Professor Luiz Orione
Referência Bibliográfica
RAND, Ayn. O Retorno do Primitivo: A revolução anti industrial. Campinas, SP : Vide Editorial, 2019.
ATIVIDADES
01 – (Enem 2018) Jamais deixou de haver sangue, martírio e sacrifício, quando o homem sentiu a
necessidade de criar em si uma memória; os mais horrendos sacrifícios e penhores, as mais
repugnantes mutilações (as castrações, por exemplo), os mais cruéis rituais, tudo isto tem origem
naquele instinto que divisa na dor o mais poderoso auxiliar da memória.
NIETZSCHE, F. Genealogia da moral. São Paulo: Cia. das Letras, 1999.
O fragmento evoca uma reflexão sobre a condição humana e a elaboração de um mecanismo distintivo
entre homens e animais, marcado pelo(a)
a. racionalidade científica.
b. determinismo biológico.
c. degradação da natureza.
d. domínio da contingência.
e. consciência da existência.
02 – (Enem 2018) O filósofo reconhece-se pela posse inseparável do gosto da evidência e do sentido
da ambiguidade. Quando se limita a suportar a ambiguidade, esta se chama equívoco. Sempre
aconteceu que, mesmo aqueles que pretenderam construir uma filosofia absolutamente positiva,
só conseguiram ser filósofos na medida em que, simultaneamente, se recusaram o direito de se
instalar no saber absoluto. O que caracteriza o filósofo é o movimento que leva incessantemente
do saber à ignorância, da ignorância ao saber, e um certo repouso neste movimento.
MERLEAU-PONTY. M. Elogio da filosofia. Lisboa: Guimarães, 1998 (adaptado).
O texto apresenta um entendimento acerca dos elementos constitutivos da atividade do filósofo, que
se caracteriza por
a. reunir os antagonismos das opiniões ao método dialético.
b. ajustar a clareza do conhecimento ao inatismo das ideias.
c. associar a certeza do intelecto à imutabilidade da verdade.
d. conciliar o rigor da investigação à inquietude do questionamento.
e. compatibilizar as estruturas do pensamento aos princípios fundamentais.
Fonte: https://fabiomesquita.wordpress.com/category/questoes-filosofia-contemporanea/
CINE REFLEXÃO:
LARANJA MECÂNICA. Dirigido por: Stanley Kubrick. Ficção Científica/ Drama. Warner Bros, 1971.
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