3º Ano Ensino Médio - Noturno - A literatura brasileira e outras manifestações culturais.

"O quereres", composição de Caetano Veloso, pode ser um gênero discursivo bem interessante para que possamos falar de modernidade e poesia. 

O QUERERES 

Onde queres revólver sou coqueiro, onde queres dinheiro sou paixão 
Onde queres descanso sou desejo, e onde sou só desejo queres não 
E onde não queres nada, nada falta, e onde voas bem alta eu sou o chão 
E onde pisas no chão minha alma salta, e ganha liberdade na amplidão 

Onde queres família sou maluco, e onde queres romântico, burguês 
Onde queres Leblon sou Pernambuco, e onde queres eunuco, garanhão 
E onde queres o sim e o não, talvez, onde vês eu não vislumbro razão 
Onde queres o lobo eu sou o irmão, e onde queres cowboy eu sou chinês 

Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor 

Onde queres o ato eu sou o espírito, e onde queres ternura eu sou tesão 
Onde queres o livre decassílabo, e onde buscas o anjo eu sou mulher 
Onde queres prazer sou o que dói, e onde queres tortura, mansidão 
Onde queres o lar, revolução, e onde queres bandido eu sou o herói

Eu queria querer-te e amar o amor, construirmos dulcíssima prisão 
E encontrar a mais justa adequação, tudo métrica e rima e nunca dor 
Mas a vida é real e de viés, e vê só que cilada o amor me armou 
E te quero e não queres como sou, não te quero e não queres como és 
Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor 

Onde queres comício, flipper vídeo, e onde queres romance, rock’n roll 
Onde queres a lua eu sou o sol, onde a pura natura, o inceticídeo 
E onde queres mistério eu sou a luz, onde queres um canto, o mundo inteiro 
Onde queres quaresma, fevereiro, e onde queres coqueiro eu sou obus 

O quereres e o estares sempre a fim do que em mim é de mim tão desigual 
Faz-me querer-te bem, querer-te mal, bem a ti, mal ao quereres assim 
Infinitivamente pessoal, e eu querendo querer-te sem ter fim 
E querendo te aprender o total do querer que há e do que não há em mim 
O Quereres, de Caetano Veloso, é a sétima faixa do disco Velô, de 1984.

1 — Caetano Veloso utiliza na letra de música uma figura de linguagem chamada ANTÍTESE. Segundo Fiorin (2014) “ trata-se de uma figura denominada antítese (do grego anti, “em face de”, “em oposição” a”, e tésis, “proposição”, “afirmação”, “tese”), em que se alarga o sentido, salientando a oposição entre dois segmentos linguísticos (palavras, sintagmas, orações ou unidades maiores do que o período), para dar maior intensidade ao dizer.” (FIORIN, 2014, p. 151). 
FIORIN, José Luiz. Figuras de retórica. São Paulo: Contexto, 2014. 

Aponte no texto exemplos dessa figura de linguagem. 

2 — O autor da LETRA DE MÚSICA presume que o interlocutor (possível leitor) contribua, atribuindo sentidos nos “vazios do texto”. Segundo ECO (1986, p.7) o leitor deve “tirar do texto o que o texto não diz, mas pressupõe, promete, implica ou implícita, a preencher espaços vazios, a ligar o que existe nesse texto com o resto da intertextualidade, de onde ele nasce e onde irá se fundir”. Que sentidos estão escondidos nessa canção de Caetano Veloso? 

3 — Vamos ler agora o que Ortiz Camargo afirma sobre a leitura: 
“É mais uma experiência constitutiva da subjetividade, em seu esforço de apropriação da coisa poética”, pois “a memória do lido é um dos elementos a ser considerado como matéria de criação” (2008, p.99). 
ORTIZ CAMARGO, Goiandira de F. Subjetividade e experiência de leitura na poesia lírica brasileira contemporânea. In: PEDROSA, Célia; ALVES, Ida (org.) Subjetividades em Devir: Estudos de poesia moderna e contemporânea. Rio de Janeiro: 7letras, 2008.

Comente esses versos à luz de Ortiz Camargo: 
Onde queres comício, flipper vídeo, e onde queres romance, rock’n roll 
Onde queres a lua eu sou o sol, onde a pura natura, o inceticídeo 
E onde queres mistério eu sou a luz, onde queres um canto, o mundo inteiro 
Onde queres quaresma, fevereiro, e onde queres coqueiro eu sou obus. 

4 — É possível afirmar que a forma do poema de Caetano Veloso traz algumas semelhanças ao adotado por Camões em Os Lusíadas, isto é, seis oitavas (6 estrofes de oito versos) em decassílabo (10 sílabas poéticas), cuja tônica cai na sexta sílaba, mais um refrão em redondilha maior ou heptassílabo (sete sílabas poéticas), composto de um dístico que intervém a casa duas oitavas. Nessa medida, Caetano Veloso, poeta contemporâneo do Brasil estabelece um diálogo com Camões, poeta português do período renascentista na fase do classicismo. 

Amor é fogo que arde sem se ver; 
É ferida que dói, e não se sente; 
É um contentamento descontente; 
É dor que desatina sem doer. 

É um não querer mais que bem querer; 
É um andar solitário entre a gente; 
É nunca contentar-se de contente; 
É um cuidar que se ganha em se perder. 

É querer estar preso por vontade; 
É servir a quem vence, o vencedor; 
É ter com quem nos mata, lealdade. 

Mas como causar pode seu favor 
Nos corações humanos amizade, 
Se tão contrário a si é o mesmo Amor? 
CAMÕES, Luís Vaz de. Amor é fogo que arde sem se ver. Disponível em: https://www.pensador.com/amor_e_fogo_que_arde_sem_se_ver/. Acesso em: 01/07/2020. 

Quais são os aspectos da poesia de Camões que podem ser percebidas na letra de música de Caetano Veloso, sabedores de que essa fase da literatura portuguesa na qual a poesia não encontra harmonia entre a vida ideal marcada pela busca do amor e a realidade concreta, onde pode predominar o desajuste entre o que se deseja e o que se consegue?

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